segunda-feira, agosto 31, 2009

"Não sinto nada". Foi uma frase que eu repeti várias vezes desde que isto tudo começou e a verdade é esta. Nao tenho dor, falta de ar, ou enjoo. Sinto como se pudesse correr uma maratona, se fosse o caso.

Na semana passada fiz a 1ª seção de quimioterapia, sendo que naquela manha passei por uma pequena cirurgia para colocação do cateter por onde é administrada a medicação. Não fossem as cicatrizes que agora ostento no torax, nem lembraria o que se passa...

É uma pena não poder trabalhar com aquilo que mais gosto, que é operar... mas tenho certeza que poderei transformar este tempo "livre" em algo muito produtivo, inclusive... digo, principalmente para meu crescimento como profissional.

Uma foto (de minha autoria) para aliviar o clima:

domingo, agosto 23, 2009

Venho aqui cumprir a promessa de relatar os eventos da semana passada, conforme explanado no post anterior:

Durante o mês de agosto eu estava de férias da residência médica que faço em Florianópolis. Vim para Criciúma, e felizmente já estava perto da família, namorada e amigos.
Na quinta feira, dia 20, acordei por volta das 07:00h. Senti uma leve tontura, ao levantar da cama improvisada na sala (o quarto está em reforma, pois levei algumas coisas para Florianópolis), porém nao me preocupei, pois havia jogado video-game até tarde em uma televisão de 47´, o que pode causar estes sintomas. Meu pai logo veio me avisar que naquele dia ele faria várias endoscopias no Hospital São José (à 2 quadras de casa), convidando-me para acompanhá-lo. Este foi um hábito meu durante a faculdade e residência de cirurgia geral, e nas férias e finais de semana também, tanto que pretendo fazer uma especialização na área.
Porém, relatei o sintoma de tontura, e o pai, preocupado, pediu que eu ficasse em casa com minha mãe, já que ela estava com um dos braços imobilizado após um procedimento ortopédico.
Então sentei para tomar café da manha, e durante as conversas e torradas com manteiga, coloquei a mão na região logo acima da clavícula esquerda. Não sei ainda porque o fiz (talvez para mexer em alguma espinha que estava ali), mas lembro perfeitamente o que meus dedos tocaram: um caroço, massa, linfonodo, "íngua", "bolota"... tumor. E aí recordei...
... que há aproximadamente 10 dias, eu havia palpado o mesmo linfonodo supraclavicular esquerdo durante um plantão no SAMU. É óbvio que, estando ocupado com as coisas do trabalho, esqueci por completo o evento, mas prontamente recordei a preocupação que já havia se instalando naquela noite. Desde então fiquei em alerta, como se uma buzina tocasse dentro de minha cabeça, e sem chave para desligar. Terminei o café, minha mãe perguntou se a tontura havia passado e eu confirmei (se ainda havia alguma, era por outro motivo), então fui ao hospital.

Na entrada pelo pronto socorro, comprimentei alguns conhecidos, já com um gosto amargo na boca, sempre relutando em dizer que estava tudo bem, que estava fazendo outra residência, que daqui a 1 ano e meio estaria de volta a Criciúma para trabalhar... pois agora eu alimentava uma incerteza quanto à tudo que já houvesse sido planejado.
Cheguei na sala de endoscopia, meu pai estava terminando um laudo no computador, então resolvi esperar que ele começasse o próximo exame. Claro que ele tambem perguntou sobre minha vertigem daquela manhã, e eu tranquilizei ele, "fiquei até tarde na televisão", etc. Quando terminou aquele exame (cheguei a ajudá-lo no procedimento, como eu já fazia desde a faculdade), mostrei pra ele o achado pouco antes. Ele, sentado em sua cadeira, eu de pé... ele logo sentiu a massa, pois, olhando no espelho, até mesmo uma assimetria havia, e fez uma cara que eu não vou conseguir esquecer. E também disse "ôô meu filho..." com uma entonação de quem sabe que você não é culpado pelo que está acontecendo, mas parece dizer "o que é que você foi me aranjar". Ainda haviam muitos exames para ele fazer, os pacientes esperando... então logo meu pai solicitou um Rx tórax e um ultrasom de região cervical e tireóide, e eu fui atrás de fazer os exames.

Quando saí daquela sala, já sabia o que estava por vir. Minha principal hipótese diagnóstica, que acabou sendo confirmada por todos exames, já estava fixa, era como uma palavra sendo repetida incontáveis vezes, por mais que eu quisesse diferente. Dirigi-me diretamente ao hospital da Unimed, porém os médicos responsáveis pelo exame não estavam lá no momento, e é lógico que eu não iria esperar nenhum segundo pelos rsultados. Voltei para a rua do HSJ, pois ao lado fica uma clínica de radiologia. Aós falar com a recepcionista, identifiquei-me como "Dr. João Vicente Castelan, cirurgião", apesar de que ainda não me sinto confortável com esta denominação. Mas a situação exigia. Fui diretamente à sala de laudos, onde se encontravam 4 ou 5 radiologistas, sendo que falei com uma médica que sempre pensei ser muito compentente. Todos ali são muito competentes, porém, é comum termos mais afinidade com este ou aquele. Ela providenciou as condições para que eu fizesse o exame, sendo que o 1º foi o Rx de tórax. Quando este ficou pronto, eu estava junto do outro radiologista, um dos mais novos, na sala de laudo, aguardando o exame.

Assim que o técnico colocou a "chapa" no negatoscópio, tudo na minha volta parou. O tempo parou. O sol apagou. Os sons se distorceram. E comecei a sentir uma corda roçar em meu pescoço. Como eu disse, já estava esperando algo "não muito bom", mas mesmo assim... acho que ninguém estaria preparado.
"Caralho, que merda é essa cara" deve ter sido a frase que eu falei. O Rx mostrava, uma massa no mediastino (região central do tórax, onde encontra-se coração e grandes vasos, principalmente),o que, junto com o linfonodo que palpei, não deixava dúvidas de que eu estava com câncer. Pelo menos para mim!
Acabei não colocando antes, quando eu cheguei nesta clínica para fazer o Rx, este médico que estava comigo perguntou "o que foi, está gripado também?". Em época de gripe A isso pode parecer óbvio. Mas assim que eu mostrei pra ele a tumoração no meu pescoço, ele fez uma cara de precocupado que só não foi igual à do meu pai, mas também me condenava.
A primeira frase que ele disse ao ver o Rx foi "Nós vamos ter que te tomografar, cara"

Daí pra frente as coisas parecem muito rapidas em minhas cabeça: fiz o ultrassom, que confirmou a presença daquele e outros linfonodos aumentados em direção ao tórax. Logo foi agendada a tomografia ("de corpo inteiro") para o dia seguinte, pois eu precisei fazer o chamado preparo anti-alérgico.

Após os exames liguei para o meu pai (que já sabia dos resultados por intermédio do radiologista) e combinamos de no encontrar em seu consutório. Esperei na sala dele, e com alguma tristeza olhei para a sala ao lado, construída na última reforma, para que eu a utilizasse após terminar a 2ª especialização e voltar para Criciúma.
Ele chegou meio vermelho, alguns cabelos em pé, e logo colocou a mão em meu ombro e disse "fica tranquilo filho, vai dar tudo certo" ou algo do tipo. Cancelou todas as consultas, cirurgias, etc. Ah, também cancelou a janta que seria oferecida no nosso prédio naquela noite, para vários colegas de trabalho.
Conversamos um pouco, eu não sabia muito o que dizer. Lembro que comentei "a gente se pergunta "porque?" ", mas o resto fugiu da lembrança... Fomos para casa. Minha mãe não estava, mas logo chegou. Me preocupei muito com a saúde dela. Entramos no escritório assim que ela chegou, e quando meu pai explicou o acontecido, ela logo respondeu com algo positivo, tipo "Não tem problema", "vai dar tudo certo", mas é óbvio que aquilo era uma armadura que ela usava... e depois de tirar, as feridas iriam doer mais do que no momento em que acontecem.

Liquei para minha namorada, pedi que ela viesse até minha casa, pois precisava conversar. Imagino que ista a tenha deixada muito angustiada, pois não especifiquei a natureza do assunto (saude, relacionamento, até mesmo "bom ou ruim").

Fiquei na janela esperando por ela: era um dia bonito, céu limpo, pouco barulho na rua, alguns carro passavam sem pressa nenhuma. Na minha cabeça, a matemática me aterrorizava: "tenho 26; + 5 são 31 (é pouco), + 10 são 36 (também é pouco)... será que era isso?

Ela chegou, e a cena com minha mãe repetiu-se; só que após as explicações médicas, o rosto dela era grave, triste... Fomo deixados a sós, ela derramou algumas lágrimas (com muitas outras atrás delas esperando para explodir). "Não era pra você ficar dodói" foi o que ela disse, sempre com uma voz macia e carinhosa, que parecia afagar até minha alma. Porém, logo meu pai explicou sobre o linfoma, grandes chances de cura, etc... e minha querida ficou mais tranquilo.

Eu ainda estava angustiado, com o peito pressionado por algumas toneladas de dúvidas, mas isso fica para o próximo post...

quinta-feira, agosto 20, 2009

São Paulo, 20 de agosto de 2009.

Antes de começar: depois deste post eu vou fazer a descrição da 1ª semana, então a ordem vai ficar invertida.


Hoje peguei o resultado de um exame realizado ontem (com bom resultado, felizmente), e realizei uma biopsia de medula óssea. Tudo correu perfeitamente bem, e após os exames, fui ao consultório do Hematologista. Aproveitei para discutir com ele a questão do tempo previsto para tratamento e afastamento de atividades de trabalho. Aí veio uma notícia daquelas que mudam bastante coisa:

Não sei se já expliquei, mas meu caso apresenta um provável estágio inicial e, pelo resultado da biópsia, excelentes chances de cura. Porém, o tempo previsto para tratamento é longo (de 6 à 8 meses), e como trabalho no hospital em contato direto com os pacientes e operando, não poderei manter essas atividades durante todo o período de tratamento. Isto deve-se à esperada queda da imunidade durante a quimioterapia. E no meu caso, terei de parar a residência em Florianópolis. Realmente eu não gostaria de fazer isto, mas desde o momento do diagnóstico inicial já considerei esta possibilidade, e passei a trabalhar com a idéia.

Se fosse outro trabalho (por ex, de escritorio), poderia manter, mas não é, então...

Portanto, a intenção agora é programar uma nova rotina de atividades, principalmente estudar bastante, produzir algo cientificamente, e manter outras atividades, como musica, livros, estudar outra lingua...

São coisas que mudam bastante, fazem pensar, mas agora é pensar no tratamento e visualizar a cura.

Até!
Diário de um...

Não sei como completar a frase. Os últimos dias têm sido bastante intensos para mim, então pensei que este blog poderia ser o lugar certo para descarregar algumas idéias.

Provavelmente todos já tiverem curiosidade em saber como alguém sente-se quando recebe o diagnóstico de uma doença grave. Não me refiro nem a pessoas próximas ou familiares. Digo de você mesmo.

Agora EU sei.

Sinceramente, pensei bastante antes de começar até mesmo o rascunho deste texto. Não quero "aparecer" ou me promover; não quero uma avalanche de palavras de piedade. Por favor, digo isto para esclarecer meu objetivo aqui, e não como se fosse "deixe-me, estou melhor sozinho".
Espero que à medida que as palavras tomam forma em meu monitor, estes objetivos também desenvolvam luz própria.

No meu dia-a-dia como médico(há 2 anos e 6 meses) e cirurgião (há 6 meses), lido com muitas donças graves e pacientes próximos da morte. Inclusive pacientes sem possibilidade de cura. É claro que acabei desenvolvendo a capacidade de conversar com estas pessoas e seus familiares da melhor forma possível, em minha visão; o diferencial é que na grande maioria são pacientes idoso, muitos dos quais têm total compreensão deste momento, alguns até mesmo o esperam de maneiro muito serena. Mas nas poucas vezes em que tive de transmitir aos pais e família de um paciente jovem a decoberta de doença incurável ou até mesmo óbito, vi reações que estão gravadas até hoje em meu cérebro.

Todas as experiências que tive podem ser pouco frente à um profissional com décadas de trabalho, mas siginificam algo importante dentro de tudo o que sei sobre a medicina e a vida. E mesmo assim, nada poderia me preparar para os últimos dias da semana passada.

Como já falei, não quero aparecer, mas acho que o relato de minha experiência pode ser útil principalmente à todos aqueles que passarem por situação semelhante, com familiares ou com o próprio leitor.

Então, a partir deste post, iniciarei um diário de minha experiência com o câncer, transmitindo as percepções e sensações de maneira mais real possível, sem deixar que o tempo as modifique.

domingo, agosto 09, 2009

Gripe Porcina

Frente à recente divulgação de dados que comprovam, ao mesmo tempo, a baixa mortalidade da gripe A, e o grande benefício gerado para a indústria farmacêutica que vende o fosfato de Oseltamivir (Tamiflu), gostaria de tecer o seguinte comentário:

- É fato que esta Influenza A, aparentemente, está atingindo alguns pacientes fora do grupo de "risco", com desfecho letal. Comentário: este fato pode estar relacionado ao fato de o vírus ser "novo" aos olhos do sistema imunológico de todos nós.

- Assim como no episódio da gripe aviária, há poucos anos, a indústria farmacêutica alimenta o imaginário popular e seus medos. E com isso, alimenta-se com nosso dinheiro, fazendo as ações da distribuidora do Tamiflu subir consideravelmente em poucos dias. Comentário: Esse é a boa e velha ganância agindo, pois há muito tempo qualquer empresa que lucre com a venda de um medicamento, é capaz até de influenciar, à seu favor, o resultado de pesquisas científicas e informações veiculadas na mídia. Não trata-se nenhuma teoria da conspiração Hollywoodiana: se alguém ganha dinheiro com isso, porque não ganhar?

Conclusão: Proteja-se sim, com as medidas profiláticas já divulgadas (lavar as mãos, evitar locais fechados durante muito tempo, nao compartilhar objetos de uso pessoal, etc). Mas nada de panico. É gripe.